Desafios jurídicos da exposição precoce de crianças na internet

A presença massiva de crianças e adolescentes em redes sociais, plataformas de streaming e jogos online trouxe à tona um fenômeno preocupante: a adultização digital. O termo descreve a exposição precoce de menores a padrões de comportamento, consumo e erotização próprios do mundo adulto, potencializados por algoritmos, influenciadores e modelos de monetização digital. Esse processo não só impacta o desenvolvimento psíquico e social de crianças, como também abre um campo complexo de responsabilidades jurídicas para pais, influenciadores, empresas e plataformas digitais.

O Brasil, por meio da LGPD (Lei nº 13.709/2018), do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), já estabeleceu parâmetros legais claros para a proteção da infância no ambiente digital. Entretanto, a realidade mostra que a aplicação dessas normas exige respostas rápidas e sofisticadas, especialmente em um contexto de redes globais e plataformas que se beneficiam da exposição massiva de conteúdos com menores.

Presença massiva de crianças e adolescentes em redes sociais, plataformas de streaming e jogos online expõe crianças a riscos jurídicos e sociais.

Em situações de exposição indevida, ofensas ou perseguições virtuais (stalking), é possível buscar medidas judiciais como ações de indenização por danos morais, pedidos de retirada imediata de conteúdo, representação criminal contra agressores e concessão de medidas protetivas, buscando garantir a preservação da integridade e da imagem dos menores.

Esse cenário regulatório em evolução indica que empresas, influenciadores e marketplaces precisam se antecipar às novas exigências legais e às tendências de fiscalização, sob pena de enfrentar não apenas processos judiciais — incluindo ações de indenização, medidas cautelares para retirada de conteúdo e representações criminais em casos de ofensas e stalking —, mas também uma crise reputacional de grandes proporções.

Responsabilidade das plataformas digitais diante da adultização

A jurisprudência brasileira, especialmente após decisões recentes do STF, vem ampliando o debate sobre a responsabilidade de plataformas digitais. O entendimento mais recente é de que provedores podem ser responsabilizados por conteúdos ilícitos, mesmo sem ordem judicial prévia, quando há omissão em casos de risco grave à infância. No cenário da adultização, isso inclui vídeos que sexualizam crianças, conteúdos impróprios em plataformas de jogos e a exploração comercial de influenciadores mirins.

Sob a ótica da responsabilidade civil, a omissão de empresas em moderar esse tipo de material pode resultar em indenizações expressivas.

Além das grandes redes sociais globais, no Brasil esse risco se estende a plataformas digitais de amplo uso cotidiano, como marketplaces nacionais de e‑commerce, aplicativos de classificados, fóruns de discussão e plataformas de streaming nacionais. Também entram nesse grupo os grupos de WhatsApp com grande número de membros e os perfis comerciais em Instagram que publicam fotos de clientes sem consentimento adequado.

Um exemplo frequente é o de lojas virtuais que utilizam imagens de clientes em campanhas promocionais sem autorização expressa, ou ainda a exposição de modelos infantis em fotos de divulgação de roupas e cosméticos, prática que pode gerar responsabilização civil e até repercussão criminal. Até mesmo portais de notícias que permitem comentários e aplicativos de relacionamento podem ser impactados, exigindo políticas de moderação e compliance específicas.

Para todos esses atores, a criação de mecanismos de compliance digital é não apenas uma obrigação legal, mas também uma estratégia de mitigação de riscos reputacionais e financeiros.

Proteção de dados de menores: uma camada essencial de segurança

A LGPD confere tratamento especial aos dados de crianças e adolescentes. O artigo 14 exige consentimento específico e destacado dos pais ou responsáveis para qualquer tratamento de dados pessoais. Isso abrange desde cadastros em aplicativos de jogos até perfis em redes sociais e campanhas de marketing direcionadas.

Antes de detalhar as implicações mais sensíveis, é importante contextualizar que a proteção de dados de menores não se limita ao consentimento formal, mas envolve práticas contínuas de segurança, transparência e responsabilidade por parte de empresas e plataformas. Nesse contexto, destacam-se três pontos críticos que merecem atenção especial:

a) Consentimento e coleta de dados – Empresas que coletam dados de menores sem o devido consentimento parental podem ser alvo de sanções administrativas pela ANPD e de ações judiciais de indenização.

b) Influenciadores mirins e monetização – A exposição de crianças em campanhas publicitárias ou canais monetizados pode configurar exploração comercial da imagem, com repercussões civis e até trabalhistas. O fenômeno da adultização frequentemente se conecta a esse tipo de prática.

c) Crimes digitais contra menores – Grooming, sextorsão e vazamento de imagens íntimas de adolescentes são riscos crescentes. A negligência das plataformas em prevenir ou remover rapidamente esses conteúdos pode configurar falha grave de segurança e ensejar responsabilidade solidária.

Diante dessas situações, a atuação de um advogado para assegurar o Direito Digital torna-se fundamental para orientar empresas, influenciadores e famílias sobre medidas preventivas e para conduzir ações judiciais em caso de violações, assegurando proteção jurídica e redução de riscos.

A negligência das plataformas em prevenir ou remover rapidamente conteúdos que expõe crianças pode configurar falha grave de segurança e ensejar responsabilidade solidária.

Influenciadores digitais, pais e a linha tênue da responsabilidade

A monetização de perfis de influenciadores mirins é um dos campos mais sensíveis. Pais e responsáveis, ao permitir ou fomentar a exposição excessiva de filhos em redes sociais, podem ser investigados por exploração da imagem, exploração de trabalho infantil e até por negligência. Já os influenciadores adultos que utilizam crianças em conteúdos podem responder por responsabilidade civil e até criminal, caso haja caracterização de exploração indevida.

Para empresas que contratam influenciadores mirins, o risco é igualmente elevado: campanhas publicitárias que incentivem a adultização de menores podem gerar repercussão negativa imediata, ações judiciais e investigações do Ministério Público. Além da responsabilização civil e administrativa, essas empresas podem enfrentar acusações de conivência com exploração de trabalho infantil, caso a parceria envolva atividades consideradas abusivas. A falta de cláusulas contratuais específicas de proteção à criança, de consentimento adequado dos responsáveis ou de mecanismos de compliance pode ampliar a vulnerabilidade jurídica. A gestão de crise, nesses casos, torna-se uma ferramenta indispensável, mas o ideal é sempre adotar medidas preventivas com orientação jurídica especializada.

Além disso, é comum que situações envolvendo influenciadores mirins evoluam para disputas sobre contratos, uso indevido de imagem e até conflitos familiares acerca da administração de perfis digitais. Nessas hipóteses, a atuação preventiva, com contratos claros e orientações jurídicas bem definidas, pode evitar litígios longos e desgastantes.

Outro ponto importante é o impacto reputacional: uma marca associada a conteúdo que promova a adultização de menores pode sofrer danos irreparáveis em sua imagem pública. Empresas e influenciadores que negligenciam esse aspecto podem perder credibilidade, patrocínios e oportunidades comerciais, reforçando a necessidade de assessoria jurídica especializada para mitigar riscos e proteger tanto a marca quanto os envolvidos.

Caminhos regulatórios e perspectivas futuras

O debate sobre a adultização digital não se limita ao Brasil. A União Europeia, por meio do Digital Services Act, e os Estados Unidos, com legislações como a COPPA (Children’s Online Privacy Protection Act), vêm avançando em mecanismos rígidos de proteção. No Brasil, há projetos de lei em tramitação que visam fortalecer a regulação da publicidade direcionada a crianças, bem como a responsabilização de plataformas digitais em casos de exploração infantil.

A adultização digital é um desafio social e jurídico que exige uma abordagem multidisciplinar. Para além das implicações éticas, trata-se de um campo de responsabilidade legal que impacta diretamente empresas de tecnologia, influenciadores digitais, plataformas de apostas, marketplaces e startups. A gestão preventiva, a adequação à LGPD e a blindagem contratual são medidas indispensáveis para reduzir riscos e garantir segurança jurídica.

Em casos concretos, reunir-se com um advogado estratégico em causas complexas e multidisciplinares é essencial para discutir estratégias, prevenir responsabilidades e enfrentar litígios que envolvem a exposição de menores no ambiente online.