A responsabilização criminal de empresários, pessoas públicas, gestores de grandes companhias, médicos renomados, indivíduos de elevado poder econômico e outros profissionais de alta exposição social em casos de homicídio com forte apelo midiático coloca em jogo três ativos fundamentais: liberdade, patrimônio e reputação. Situações extremas, como a do empresário acusado de matar um gari durante uma discussão de trânsito em Belo Horizonte, revelam como a dinâmica processual penal pode impactar não apenas o indivíduo, mas toda uma estrutura empresarial e familiar, inclusive com pedidos de bloqueio de bens do acusado e até de familiares, como cônjuges que exerçam cargos públicos relevantes, por parte da defesa da vítima.
Circunstâncias como essas, o papel estratégico do advogado é crucial: desde a análise minuciosa da legalidade do inquérito, passando pela formulação de teses técnicas de defesa, até a atuação em medidas urgentes para evitar constrições patrimoniais desproporcionais. O advogado deve ainda coordenar a produção antecipada de provas, buscar decisões liminares que garantam direitos fundamentais, articular perícias médicas e psiquiátricas quando necessárias e estruturar a comunicação estratégica do caso para reduzir a pressão midiática. Quando o caso ganha visibilidade nacional, os riscos se amplificam, tanto na condução do inquérito quanto na forma como a sociedade e o Judiciário reagem.

Nulidades processuais como chave de defesa
O Código de Processo Penal (CPP) oferece instrumentos robustos para questionar falhas que possam comprometer a legalidade da persecução penal. Em casos de homicídio, a identificação de nulidades processuais pode representar a diferença entre uma condenação injusta e a preservação da liberdade. Entre os principais pontos a serem analisados estão a utilização de provas ilícitas, a inobservância de prazos processuais, a quebra da cadeia de custódia de elementos periciais e o cerceamento do direito de defesa.
O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, anularam decisões condenatórias justamente por vícios processuais que feriam garantias constitucionais, reforçando a importância de uma análise minuciosa e técnica em cada fase do processo. As principais nulidades em homicídios são:
- Provas ilícitas: interceptações telefônicas sem autorização judicial, buscas realizadas em desacordo com a lei ou uso de dados obtidos sem ordem judicial podem contaminar toda a investigação. O STF já declarou nulas provas derivadas de interceptações ambientais sem decisão fundamentada, reafirmando a vedação das chamadas provas ilícitas por derivação (teoria dos frutos da árvore envenenada).
- Prazos processuais: o excesso de prazo na formação da culpa ou a ausência de intimação adequada das partes pode configurar nulidade. O STJ, em reiteradas decisões, reconheceu o constrangimento ilegal de réus mantidos em prisão preventiva além do prazo razoável, determinando o relaxamento da medida.
- Cadeia de custódia: a ausência de registros formais de coleta, guarda e análise de provas físicas compromete a credibilidade do processo. A Lei 13.964/2019 incluiu dispositivos específicos no CPP sobre a cadeia de custódia, e tribunais têm anulado decisões quando há quebra injustificada desses protocolos, como em casos de homicídio onde armas ou objetos não foram devidamente catalogados.
- Cerceamento de defesa: a limitação no acesso aos autos ou a negativa de produção de provas essenciais impacta diretamente a paridade de armas. O STF já decidiu que negar ao réu o direito de apresentar testemunhas arroladas ou de ter acesso integral às provas digitais do processo constitui nulidade absoluta, por violar o contraditório e a ampla defesa.
A exploração técnica dessas nulidades não apenas pode anular atos processuais, como também reduzir condenações ou alterar a tipificação penal, garantindo ao acusado uma posição menos gravosa no julgamento.
Estratégias práticas de defesa e preservação de direitos fundamentais
Em processos criminais contra empresários ou pessoas de alto perfil, especialmente em homicídios de grande repercussão, a defesa deve ser montada em múltiplas frentes. Alegações de uso ou esquecimento de medicação controlada podem levar à instauração de incidente de insanidade penal (art. 149 do CPP), discutindo eventual inimputabilidade ou redução de pena por incapacidade parcial de discernimento. No entanto, condutas posteriores ao crime, como seguir rotina normalmente, podem ser usadas pela acusação como indícios de plena consciência.
Versões contraditórias do acusado, como negar envolvimento e depois alegar acidente, fragilizam a narrativa, mas permitem teses alternativas como homicídio culposo (sem intenção de matar) ou legítima defesa putativa. A análise de imagens de câmeras, registros de GPS e testemunhos torna-se crucial para construir ou desmontar essas versões.
Outro ponto recorrente é a tentativa de bloqueio de bens para garantir indenizações civis, mesmo em fase investigativa. Isso reforça a importância da blindagem patrimonial preventiva, estruturando ativos para evitar constrições desproporcionais. Assim, além da defesa penal, a preservação patrimonial e societária é indispensável.
A repercussão nacional de casos dessa natureza, com intensa cobertura jornalística, também evidencia o peso da gestão de imagem e narrativa pública: coordenar comunicação estratégica para reafirmar direitos fundamentais, reduzir estigmas e mitigar julgamentos precipitados da opinião pública.

Quando crimes de repercussão que envolvem empresário, pessoas públicas ou réus de alto perfil, a batalha não ocorre apenas nas salas de audiência, mas também no tribunal da opinião pública. A exposição midiática tende a reforçar estigmas, prejudicando a presunção de inocência e comprometendo a credibilidade do acusado perante sua rede de negócios. A imagem de frieza ou de comportamento indiferente após o crime pode ser explorada negativamente pela imprensa, intensificando a pressão sobre o Judiciário.
O devido processo legal e a presunção de inocência, garantias constitucionais, precisam ser constantemente lembrados e sustentados nos tribunais, inclusive nas instâncias superiores. Casos julgados pelo STJ e STF evidenciam que, muitas vezes, condenações obtidas sob forte pressão midiática acabam revertidas diante de vícios processuais ou violação de direitos fundamentais, o que reforça a necessidade de uma atuação técnica e multidisciplinar.
A importância da defesa multidisciplinar
A atuação em casos dessa natureza transcende o direito penal. É essencial integrar a defesa criminal com estratégias de blindagem patrimonial, reorganização societária e planejamento tributário, a fim de evitar que uma acusação criminal paralise operações empresariais ou comprometa ativos estratégicos. Um homicídio praticado por uma pessoa de maior evidência, ainda que sob circunstâncias específicas, pode desencadear investigações tributárias, trabalhistas ou societárias, exigindo um corpo jurídico capaz de compreender e agir de forma coordenada em múltiplas frentes.
Diante de um cenário em que liberdade, patrimônio e reputação estão simultaneamente em jogo, reunir-se com um advogado estratégico em causas complexas e multidisciplinares envolvendo direito empresarial e criminal é essencial para discutir a melhor estratégia de defesa, preservando não apenas os direitos individuais, mas também a continuidade e estabilidade dos negócios.