A revisão de condenações por tráfico de drogas no Superior Tribunal de Justiça (STF) e Superior Tribunal Federal (STF) tem ganhado destaque nos últimos anos. Recentes decisões envolvendo nulidades processuais e desclassificação de condutas resultaram em redução ou até mesmo extinção de penas para dezenas de acusados. Um caso emblemático, registrado no primeiro semestre de 2024 no foro criminal da capital paulista, ocorreu quando a condenação de um réu por tráfico foi revertida após o tribunal entender que a abordagem policial não observou requisitos legais, anulando a prova principal.
Embora esses precedentes revelem que a atuação defensiva pode influenciar o resultado do processo, é fundamental ressaltar que cada caso é único e depende das provas disponíveis, das circunstâncias específicas e do entendimento do tribunal competente. Buscar orientação com um advogado com experiência em tribunais superiores (terceiras instâncias) e também em cortes de segunda instância é um passo inicial importante para avaliar a viabilidade de um recurso a instâncias superiores.
A Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas) é a principal norma que regula o tráfico ilícito de entorpecentes no Brasil. O art. 33 tipifica o crime, com penas de 5 a 15 anos de reclusão, mas deixa margem para interpretações relevantes sobre a distinção entre uso pessoal (art. 28) e tráfico. Essa diferenciação é um dos pontos mais controversos no Judiciário, já que a lei não estabelece limites objetivos de quantidade mínima ou máxima — apenas remete a critérios como natureza da substância, local e circunstâncias da apreensão para definir o enquadramento. Assim, fatores como local da apreensão, conduta do suspeito, testemunhos e histórico criminal costumam ser decisivos.
Além disso, existe o tráfico privilegiado (art. 33, §4º), que reduz a pena de 1/6 a 2/3 quando o acusado é primário, possui bons antecedentes e não integra organização criminosa. Essa possibilidade, muitas vezes negligenciada, é um caminho estratégico para mitigar a punição, desde que preenchidos todos os requisitos legais.

Principais estratégias de defesa em casos de tráfico
A construção de uma defesa eficiente deve partir de uma análise minuciosa e técnica dos fatos, das provas e da legalidade dos atos processuais, avaliando desde a fase de investigação até a execução da pena. É fundamental identificar eventuais nulidades, contradições em depoimentos, falhas na preservação da prova e interpretações favoráveis da lei ou jurisprudência. Essa análise deve ser personalizada para o caso concreto, considerando antecedentes do acusado, circunstâncias da apreensão e eventuais abusos de autoridade. É importante frisar que a adoção dessas estratégias não garante, por si só, alteração de sentença ou absolvição, mas aumenta as chances de um resultado mais favorável conforme o contexto probatório. Entre as principais estratégias, destacam-se:
1. Contestação da licitude da prova
A abordagem policial e a busca pessoal devem respeitar critérios estritos estabelecidos no art. 240 e seguintes do CPP, como a exigência de fundada suspeita baseada em elementos objetivos e devidamente registrados. O STF, no HC 598.051/SP, reafirmou que a mera “atitude suspeita” ou impressão subjetiva do agente não autoriza a busca sem fundamentos claros e específicos. Além disso, a diligência deve observar formalidades como a lavratura de auto circunstanciado e, quando possível, a presença de testemunhas. Provas obtidas de forma ilícita, como aquelas resultantes de abordagens ilegais, são nulas (art. 157, CPP) e podem levar à absolvição ou ao trancamento da ação penal, reforçando a importância de se questionar a legalidade do ato desde o início do processo.
2. Fragilidade na cadeia de custódia
O controle sobre a cadeia de custódia (arts. 158-A a 158-F do CPP) é fundamental, pois garante a integridade e a confiabilidade do material apreendido desde o momento da coleta até a sua apresentação em juízo. Qualquer falha nesse fluxo, como lacres rompidos, ausência de registro detalhado da apreensão, manipulação inadequada da substância ou inconsistências nos laudos periciais, pode comprometer seriamente a credibilidade da prova. Nessas hipóteses, a defesa pode requerer a sua exclusão do processo, uma vez que provas contaminadas ou não rastreáveis ferem o devido processo legal e podem ser desconsideradas pelo tribunal, impactando diretamente no resultado da ação penal.
3. Desclassificação para uso ou tráfico privilegiado
Quando a quantidade de droga apreendida é pequena, e não há indícios robustos de comércio, como anotações de contabilidade do tráfico, movimentação financeira incompatível ou depoimentos consistentes de venda, é possível buscar a desclassificação para uso (art. 28) — hipótese que afasta a pena de prisão — ou pleitear a aplicação do tráfico privilegiado (art. 33, §4º), que mantém a tipificação como tráfico, mas permite uma redução expressiva da pena, de um sexto a dois terços. Essa estratégia envolve a análise detalhada das circunstâncias da apreensão, o perfil pessoal do acusado e a ausência de vínculos com organizações criminosas, além da produção de provas que reforcem a tese defensiva.
4. Revisão da dosimetria da pena
Mesmo em casos confirmados de tráfico, a revisão da pena pode ser estratégica e deve ser conduzida com base em uma análise minuciosa da sentença e dos fundamentos utilizados na dosimetria. O STJ tem anulado sentenças que aplicaram agravantes de forma indevida, como o aumento por “natureza e quantidade da droga” sem fundamentação concreta (AgRg no REsp 1.863.842/SC), exigindo que o juiz demonstre, de forma clara e individualizada, por que tais circunstâncias justificam a majoração. A defesa pode explorar também eventual ausência de proporcionalidade na aplicação de penas acessórias ou no regime inicial fixado, buscando reduzir o tempo de encarceramento ou alterar o regime para um mais brando.
5. Atividades empresariais investigadas por tráfico
Quando a acusação envolve empresas potencialmente usadas como fachada para o tráfico — como transportadoras, bares, casas noturnas ou distribuidoras — a estratégia defensiva deve buscar comprovar a ausência de vínculo entre a atividade lícita e o ilícito investigado, protegendo diretamente dos sócios da empresa. Isso pode incluir auditorias internas, apresentação de registros de carga, rastreamento logístico e depoimentos de funcionários para demonstrar a regularidade da operação e a boa-fé do responsável legal. Paralelamente, a defesa deve trabalhar para impedir bloqueios de bens desnecessários da empresa e do empresário e preservar a reputação comercial tanto da empresa quanto do seu proprietário.
6. Estratégias para réus presos e já condenados
Mesmo após a condenação e com o réu em regime fechado, um advogado criminalista ativo pode adotar medidas para melhorar a situação do cliente. Entre as ações possíveis estão: requerer progressão de regime com base no cumprimento de requisitos objetivos e subjetivos, pleitear remição de pena por trabalho ou estudo, impetrar habeas corpus em casos de ilegalidade ou excesso de prazo, interpor revisão criminal quando surgem novas provas ou mudanças jurisprudenciais favoráveis, e buscar indulto ou comutação de penas em datas específicas previstas em decretos presidenciais. O acompanhamento constante da execução penal é fundamental para identificar oportunidades de benefícios e reduzir o tempo de encarceramento.

Prevenção e atuação desde a fase investigativa
O período entre a abordagem policial e o oferecimento da denúncia é um momento crítico e estratégico, pois muitas nulidades e elementos de prova são formados nesse intervalo e podem definir o rumo do processo penal. Trata-se de uma fase sensível em que a atuação rápida e técnica da defesa pode impedir a consolidação de ilegalidades, influenciar a narrativa processual e até evitar o oferecimento da denúncia. A defesa técnica nesse estágio pode:
- Acompanhar interrogatórios e orientar o acusado sobre o direito ao silêncio e à não autoincriminação.
- Requerer perícias e exames complementares para esclarecer contradições nas provas colhidas.
- Questionar irregularidades nas provas já na fase de inquérito, como buscas sem mandado ou sem fundada suspeita.
- Negociar medidas cautelares alternativas à prisão preventiva, evitando a segregação desnecessária.
- Atuar junto à imprensa e órgãos de fiscalização para mitigar danos à imagem do acusado quando o caso tem repercussão pública.
- Produzir provas defensivas antecipadas, como coleta de imagens de câmeras, depoimentos e documentos que possam se perder com o tempo.
Uma atuação preventiva, abrangente e incisiva reduz riscos, antecipa nulidades e fortalece o posicionamento do acusado antes mesmo do início da ação penal. Casos recentes no STJ e STF têm impacto direto na prática forense, orientando estratégias de defesa e ajustando interpretações sobre pontos sensíveis da Lei de Drogas. Em 2023 e 2024, diversas decisões relevantes — muitas delas fixando teses ou reforçando entendimentos anteriores — moldaram a forma como tribunais tratam o tráfico de drogas, especialmente no que se refere à licitude das provas, aplicação do tráfico privilegiado e nulidades processuais:
- STF – HC 208.240/SP: Anulou condenação por entender que a busca pessoal sem elementos objetivos viola o art. 5º, XI, da Constituição.
- STJ – AgRg no HC 700.934/SP: Reconheceu a falha na cadeia de custódia como motivo para absolvição.
- STJ – HC 770.902/MS: Aplicou o tráfico privilegiado mesmo com quantidade elevada de droga, considerando ausência de vínculos com organização criminosa.
- STJ – HC 793.456/RJ: Absolveu acusado no Rio de Janeiro por entender que a prova principal foi obtida em revista pessoal sem autorização judicial e sem fundada suspeita.
- STF – HC 712.904/DF: Decisão envolvendo Brasília reconheceu a nulidade de interceptações telefônicas prorrogadas sem fundamentação idônea, resultando na anulação da ação penal.
Esses precedentes demonstram que, embora uma atuação estratégica possa modificar o rumo de um processo, não há garantias de absolvição ou redução de pena, pois o resultado dependerá sempre do conjunto probatório, da legislação aplicável e da interpretação dos tribunais. O enfrentamento de acusações de tráfico exige conhecimento jurídico aprofundado, leitura estratégica do caso e capacidade de explorar precedentes favoráveis. Com o aumento da vigilância sobre a legalidade das provas e a aplicação rigorosa das garantias constitucionais, o espaço para defesas bem fundamentadas se amplia. Em casos de alto impacto, reunir-se com um advogado estratégico em causas complexas e multidisciplinares é essencial para discutir o caso.