Previdência do profissional de Odontologia no serviço público

A trajetória de um cirurgião-dentista, bem como de auxiliares e técnicos em saúde bucal, ou ainda profissionais de prótese dentária, seja no serviço público federal, estadual/distrital ou municipal, reúne expectativas elevadas quanto à aposentadoria, ao reconhecimento técnico da insalubridade e à proteção patrimonial decorrente da longa exposição a agentes nocivos. Ao mesmo tempo, esses profissionais enfrentam frustrações recorrentes: adoecimento precoce devido ao exercício prolongado da atividade odontológica, falta de preparo dos regimes previdenciários para reconhecer tempo especial, lacunas históricas de registros contributivos e incertezas quanto às regras aplicáveis ao regime próprio.

Exposição constante a aerossóis, sangue, secreções, radiação e instrumentos perfurocortantes são fatores determinantes para o enquadramento da atividade como especial.

Soma-se a isso o receio de que todos os anos de prática clínica, atendimento direto ao público, manipulação de materiais perfurocortantes, exposição a aerossóis contaminados, substâncias químicas e esforço ergonômico intensivo sejam ignorados no momento da aposentadoria. O anseio é legítimo: obter um benefício que reflita a intensidade do trabalho, que preserve integralidade ou paridade (quando aplicável) e proporcione planejamento previdenciário e sucessório adequado.

Nesse cenário, o profissional da Odontologia precisa atuar como gestor previdenciário de si mesmo, com análise criteriosa da própria trajetória laboral e com assessoria jurídica capaz de interpretar corretamente as regras da Reforma e do Tema 942.

Reconhecimento da atividade odontológica como especial

Para o cirurgião-dentista, para o ASB/TSB e também para o TPD/APD, a exposição habitual e permanente a agentes biológicos, químicos, físicos e ergonômicos configura atividade especial nos termos da Lei 8.213/91 (art. 57) e regulamentos correlatos. Aerossóis odontológicos, risco de contaminação, contato com sangue e secreções, manipulação de resinas, monômeros e vapores químicos, ruído intenso de equipamentos rotatórios, radiação ionizante de equipamentos de imagem e condições laborais repetitivas são elementos reconhecidos historicamente como nocivos.

Vale destacar que ASBs e TSBs também têm direito ao reconhecimento de tempo especial, mesmo sem realizarem procedimentos invasivos, pois a exposição aos mesmos agentes biológicos do cirurgião-dentista ocorre de forma habitual e permanente.

Para o servidor público que pretende averbar esse tempo para o RPPS, surgem dúvidas frequentes:
Era esse período considerado especial? Houve registro adequado? O órgão emitiu PPP, LTCAT ou laudo técnico? A exposição foi descrita corretamente ou o documento veio genérico?

O ponto crítico é que a ausência de documentação, a mudança de função, a omissão administrativa ou a inexistência de laudos ambientais coloca o profissional da Odontologia em situação vulnerável. É exatamente nesse ponto que muitos enfrentam negativa de tempo especial seja no INSS, seja no regime próprio, mesmo quando a insalubridade é evidente e diariamente vivenciada no atendimento clínico ou no laboratório protético.

Um advogado que entende as particularidades da prática odontológica pode alterar a estratégia previdenciária. Todas as peculiaridades da profissão precisam ser analisadas pelo advogado, como, por exemplo:

  • exposição a aerossóis e microorganismos;
  • risco químico de resinas, solventes e monômeros;
  • radiação ionizante em radiologia odontológica;
  • trabalho repetitivo, postural e biomecânico intenso;
  • risco constante com perfurocortantes;
  • atuação em ambientes com ventilação restrita;
  • laboratórios com poeiras, calor e ruído;
  • vínculos mistos público/privado que exigem planejamento detalhado.

Como ficou a aposentadoria do cirurgião-dentista e demais profissionais de Odontologia servidores públicos após a Reforma Previdenciária e o Tema 942?

A Reforma da Previdência (EC 103/2019) alterou profundamente as regras aplicáveis aos profissionais da Odontologia vinculados ao serviço público, impondo idade mínima e novas fórmulas de cálculo. Antes de 2019, era possível alcançar aposentadoria com critérios mais vantajosos, inclusive integralidade e paridade para aqueles que ingressaram antes de 2003, desde que cumpridos os requisitos específicos.

Após a Reforma, as regras transicionais exigem combinações rígidas de idade + tempo de contribuição, tempo mínimo no cargo e cálculo por média de remunerações, reduzindo proventos para grande parte da categoria.

Entretanto, o julgamento do Tema 942 pelo STF reequilibrou parte desse endurecimento ao permitir que dentistas, ASBs, TSBs, TPDs e APDs servidores públicos convertessem o tempo especial trabalhado até 12/11/2019 em tempo comum, aumentando substancialmente o tempo final contabilizado.

Esse acréscimo pode:

  • antecipar em anos o preenchimento da pontuação;
  • permitir ingresso em regras mais favoráveis;
  • evitar aplicação de regras de transição mais duras;
  • elevar proventos;
  • viabilizar revisões para quem já está aposentado.

O precedente consagrou que, até a EC 103/2019, o servidor exposto a condições especiais tem, inequivocamente, direito à conversão, devendo o RPPS aceitar o multiplicador, salvo necessidade de judicialização.

Para a Odontologia, trata-se de reconhecer: anos de atendimento clínico, esterilização, instrumentação, atuação em PSF, laboratórios protéticos, radiologia odontológica, mutirões e demandas intensas de unidades básicas de saúde. Para esse reconhecimento, é essencial obter orientação de um advogado com estratégia jurídica sólida para odontólogos, prevendo os erros comuns e salvaguardas. São frequentes situações como:

  • ausência de PPP ou LTCAT;
  • emissão de PPP genérico sem descrição da atividade;
  • laudos ambientais incompletos ou desatualizados;
  • registro incorreto de exposição biológica ou química;
  • tempo especial negado por desconhecimento das especificidades da Odontologia;
  • atuação em múltiplos vínculos sem averbação adequada;
  • mudança de lotação sem documentação do risco.

A atuação de advogado previdenciarista experiente permite reconstruir provas, solicitar laudos, utilizar documentos de ambientes similares, revisar CNIS, reconstituir assentamentos funcionais e elaborar estratégia específica para cada regime próprio.

Atuar de forma preventiva é o divisor de águas entre uma aposentadoria adequada e uma concessão desfavorável. Para quem ainda não se aposentou, a estratégia envolve identificar o melhor momento para requerer, avaliar se é vantajoso converter tempo especial ou não, averbar corretamente tempo privado + tempo público, evitar perda de tempo especial antes de 2019 e estruturar documentação sólida.

Profissionais já aposentados podem ter direito à revisão se o tempo especial não foi reconhecido, o multiplicador não foi aplicado, a conversão não foi analisada ou documentos estavam incompletos.

Profissionais da Odontologia atuam diariamente expostos a riscos biológicos, químicos e ergonômicos, essa rotina fundamenta o direito ao reconhecimento do tempo especial, à conversão e a uma aposentadoria mais vantajosa.

CTC, averbação e erros comuns no tempo do INSS para o RPPS

Profissionais da Odontologia que transitaram entre vínculos privados e públicos (realidade comum a cirurgiões-dentistas e à equipe de saúde bucal) dependem da Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) para averbar seu tempo do INSS no regime próprio. É nesse ponto que surgem alguns dos problemas mais complexos do planejamento previdenciário:

  • CTC emitida sem indicação de atividade especial.
  • Falta de conversão do tempo especial exercido até 12/11/2019.
  • Períodos sem vínculo no CNIS que precisam ser reconstituídos.
  • Contribuições recolhidas em atraso que não foram validadas.
  • Erros na natureza da filiação (autônomo, contribuinte individual, empregado).
  • CTC que não segue o modelo exigido pelo RPPS local.
  • Negativa de averbação por “falta de elementos técnicos”, mesmo quando o profissional atuou em consultório, clínica ou laboratório protético.

Quando tais inconsistências ocorrem, o odontólogo pode perder anos inteiros de tempo prestado, o que impacta pontuação, idade mínima, direito ao abono de permanência e até o valor dos proventos.

Em muitos casos, a reconstrução desse histórico exige revisão do CNIS, pedidos administrativos complementares, obtenção de PPP, LTCAT e laudos de períodos antigos, fundamentação técnica de tempo especial, emissão de nova CTC ou judicialização quando o RPPS se recusa a averbar.

A atuação jurídica consiste em reconstituir a trilha contributiva e corrigir falhas que o sistema previdenciário não identifica, e que, se ignoradas, podem inviabilizar a aposentadoria ou reduzir drasticamente o valor do benefício.

Para cirurgiões-dentistas, ASBs, TSBs, TPDs e APDs, a análise previdenciária individualizada deixou de ser opcional. É necessidade estratégica. A exposição especial é real, documentável e reconhecida pelo ordenamento jurídico, desde que corretamente comprovada.

Uma dúvida comum é se pode-se continuar trabalhando após a aposentadoria, e, apesar da regra clássica da aposentadoria especial proibir continuar na atividade insalubre após o benefício, assim como para médicos, a jurisprudência tem reconhecido o direito de dentistas continuarem trabalhando, desde que preservada a finalidade protetiva do benefício. Há também a possibilidade de acumulação de funções quando houver mais de um vínculo.

A recomendação final é simples: Antes de planejar sua aposentadoria ou mesmo se já aposentado, avalie seu tempo especial com um advogado especialista em Direito Previdenciário do servidor público.